Olhava pelo vazio do copo as
letras aumentadas. O guardanapo trazia as propagandas do recinto. Brincava de
lupa, tentando formar novas palavras com os caracteres manchados de vinho. O
lugar estava repleto de pessoas com alma intensa, como a dele. Ainda com os
olhos fixos nas letras, batia o indicador no copo, acompanhando a música.
Triste vida afinada em Si, Lá, Mi, Si, Lá, Ré e traduzida pela vibração das
cordas daquela antiga guitarra portuguesa. Adorava a tristeza pueril daquele
instrumento. A rapidez com que o músico retirava notas da guitarra já não era
tão surpreendente: há muito ouvia as mesmas lamentações. Permaneceu de olhos
baixos. Saboreando o adocicado do vinho que permanecera em seus lábios. Batendo
o dedo no copo vazio.
O som da guitarra portuguesa
acelerou. A luz que vinha do palco, de repente, diminuiu. Foi o bastante para
tirá-lo de sua concentração quase hipnótica. Um vulto prostrou-se a sua frente.
Levantou os olhos. A luz que dava contorno àquela silhueta ofuscou-lhe. Fechou
os olhos e aspirou. Junto do suspiro veio a certeza: sim, era um conhecido
perfume que emanava daquela figura. Preguiçosamente, abriu frestas em sua visão
quando sentiu o toque da mão alheia em seu rosto. Sorriu. O vulto curvou-se
sobre a mesa. Segurou-lhe a mão sobre o copo vazio. Aproximou o rosto ao do
homem sentado. Arfou longamente ao redor do amado. Sorriu. Colou seu rosto ao
dele. “Eu te amo!”. Beijou-lhe a ponta da orelha. E deu ainda um beijo no
pescoço antes de chegar aonde queria: os lábios da pessoa amada. Sentiu o aroma
do vinho. Sabia que aquele momento, embora muitas vezes acontecido, trazia
sempre as lembranças do primeiro encontro e da primeira vez que roçou a boca à
daquele homem. Sentou-se ao seu lado. Segurou-lhe as mãos entre as suas.
Encostou a cabeça em seu ombro.
O homem sorriu. Por amor.
Por amar. Pediu uma garrafa de vinho para dois. Ouviu a respiração ofegante de
sua querida. Naquele instante o fado da guitarra portuguesa parecia não mais
chorar... ao menos, não de tristeza. Não desta vez.