Era
aquela maldita caveira novamente.
- Ei, puto, chegue cá!
E ela veio, meio cambaleante, com
seu ritmado compasso de fêmur. Caveira mexicana. Sorria com os
amarelados-pontos-temerosos-de-dentistas. Trazia um charuto entre os finos dedos
da ossatura direita.
- Mas o que faz aqui novamente, peste?
- Sabe como é, caveirando... Invejando os que
têm carne.
- Porra, esse povo deve tomar um
susto, hein!
- Nem me fale. Não sei porque tanto
medo. Uma caveirinha tão simpática como eu.
Coçou as costelas.
- O que é isso aí?
- Isso o que?
- Preso aí, velho.
- Presente para usted.
E retirou uma grande garrafa de rum.
- Conseguiu onde?
- Dei sorte. Geralmente nessa época,
só encontro aguardente sem graça. Isso eu roubei de macumba de rico.
Ele cuspiu.
- Cacete, macumba?!
E tudo ao redor perdeu o chão. Logo
estava sobrevoando a cidade com a caveira ao seu lado. Ela de cachecol e óculos
escuros. Ele, calcinha e sutiã.
- Irra, que gostoso isso, caveirona!
- Eu sei, dá um friozinho na barriga.
Olha pra baixo.
Mirou.
- Que que tem?
- Vê aquele homem?
- Sei.
- Não reconhece?!
- Deixe-me ver melhor... Sim! Porra,
aquele filho da puta ta fazendo o que?
- Parece-me claro...
- Beijando um vagabundo! Safado!
Disse que is ao cemitério hoje.
- Ele parece querer enterrar outra coisa.
- Mas só pode se for em mim!
- Entendo...
- Vamos embora?
- Ainda não.
- Quer que eu sofra mais?! Ele está
me traindo!
- Em vida, muitas mulheres me
traíram também. A dor, eu conheço bem.
- E pra que eu tinha de ver isso?
- Sei lá. Sou apenas uma caveira que
voa... não acha isso estranho?
E voltaram ao balcão do bar.
- Tô voltando pra porta do
cemitério, caveirona. Hoje mato aquele desgraçado, filho duma égua!
Tomou a garrafa de rum em mãos e rumou.
Partiu-a na calçada e fincou nas
costas do seu amor, deixando-o morto ali, enquanto o outro corria.
Voltou para o bar.
Caveira mexicana estava lá, com
outra caveira ao seu lado.
- Porra, esse chapéu eu conheço! É
você, maldito? – perguntou o rapaz.
- Sim, é ele, meu bom amigo.
Obrigado por trazê-lo a mim. Há tempos estava desejando um esfrega-osso com
ele.
As duas caveiras deram um longo
beijo de caninos, molares e tártaros.
O rapaz chorou.
A manchete no jornal ao fim do dia:
“Homem é preso após matar namorado. Um verdadeiro crime passivonal”.