Quando a mana foi embora, pai pareceu ressentido. Talvez por ser filha mulher, ter crescido agarrada a ele. O laço entre eles se intensificou depois que a mãe morreu. Eu sempre fui quieto, sem saber demonstrar direito o que sinto. A mana, ao contrário, era luz: acordava e dava bom dia, gostava de abraçar, ria à toa. Ela alegrava a casa. Por ser mais velha, chegou aquele momento na vida em que foi atrás dos sonhos. Passou em uma universidade longe e foi morar lá. O pai sabia que era para o bem dela, que ela devia lutar por uma vida melhor. Ele entendeu, mas se entristeceu. O tempo foi passando e ela só conseguia nos visitar por algumas poucas semanas durante o ano. Isso não diminuiu a dor do pai. Mas ele entendia, e nunca chorava na frente dela durante as despedidas. Certo dia, acordei mais cedo que o normal e peguei o pai escutando as modas em seu radinho de pilha enquanto via os antigos álbuns de fotos que guardava no fundo da estante. Pareceu não perceber minha presença, e con
#1 Margaridas em enócoa sobre a mesa de café Ali, do outro lado da rua, um mundaréu de gente se apressava na hora da saída do trabalho. Se a situação não fosse complicada o bastante, chovia. Não uma chuva qualquer: uma chuva de meados de verão, um torrencial acompanhado de raios e trovões desses que a gente se encolhe na hora que vê o clarão. Com os sapatos molhados, ela esperava debaixo do toldo da loja. Sem guarda-chuva? Não, não. Ela possuía um na bolsa tiracolo. Mas, esperta que era, sabia que nada daria conta naquele momento. Só restava ficar parada, junto com mais alguns, vendo os carros passarem nos pavimentos esburacados jogando água nos corajosos que possuíam hora marcada para chegar. Ela olhava o telefone. Seu rosto, no lusco-fusco da tempestade, ganhava tons amarelados, azulados e acinzentados. Ela parecia sorrir, às vezes. Talvez fosse uma boa conversa. Ou alguma foto engraçada. Vez e outra, olhava para trás, observando a vitrine da loja. Havia muitas cores ali dentro.