Duas coisas incomodavam o Sr. K...: a primeira era o seu pássaro, uma calopsita, que há quatro dias estava tristonha, amuada no poleiro da gaiola, sem soltar um pio, tadinha da bichinha; a segunda, era o atraso na visita que receberia aquele dia – havia se passado mais de meia hora e nada de ela chegar. Há exatamente noventa dias, o Sr. K... recebeu a carta da Companhia de Desligamento. “Prezadíssimo Sr. K..., viemos por meio desta informar que chegou a sua hora! Como o senhor bem sabe, novas gerações precisam de espaço e conforto: somente assim nosso país continuará a ser forte e relevante. Pedimos a gentileza de acertar todas as contas em pendência (caso as tenha): lembramos que os novos inquilinos não arcarão com possíveis custos após o seu desligamento, ficando a dívida para até a sua décima primeira geração. Por favor, enumere na Ficha dos Afazeres, anexada, as atividades que deseja serem realizadas após a sua partida do imóvel. Na esperança de encontrá-lo na mais perfeit
O primo nunca foi uma pessoa muito fácil. Desde criança, sempre foi aquele primo chato, que implica com tudo e nada está bom. A gente jogava bola na rua e ele sempre arrumava confusão nos gols. Era um pouco irritante. Acho que ele não gostava muito de ter de ir com o tio e a tia nas visitas. Queria ficar sozinho a maior parte do tempo, rabiscando seus cadernos e falando com quem não existia. Eu sei que toda criança faz isso. Falar com os brinquedos. Primo tinha alguns bonecos e ficava horas ali, ajoelhado na frente do sofá ou na beira da cama, conversando com eles. Às vezes, eu participava também. Na minha mochila, sempre carregava o boneco do príncipe Adam, a versão “sem graça” do He-Man. Não me pergunte o porquê. Acho que eu sempre gostei de coisas “realistas”. O príncipe era apenas uma pessoa normal, sabe? Ele só virava outra coisa quando evocava os poderes de Grayskull: aí ficava fortão, com aquela roupa estranha que eu nunca fui muito fã. Mas, para o primo, aquele era o grande m