Certa
vez, uma pequena criança, uma menininha, tomou-me a mão. Espantado por não
estar acostumado ao contato humano, olhei para baixo. Ela me olhava emburrada.
“Conta uma história”. História? Eu? Por quê? “Minha mãe disse que é contador de
história”. Talvez eu seja... O que você quer saber? – e olhei para a mãe que,
junto com os demais parentes, conversava e ria a bom rir: ela retribuiu o
olhar. “Conte a ela”. Tudo bem. Sentei-me à mesa, a menina ao meu lado, apoiada
num banquinho para ficar mais alta. Todos pararam para ouvir.
Não tenho nada muito feliz para
contar. “Não tem problema”. E aquela carinha me fitava sem piscar. Cocei a
cabeça, pensei. Reparei em minhas mãos. Pensei. Bem... era uma vez, havia um
garoto. “Bonito?” Não. E ele era um poderoso mago. Ele tinha o poder de
enxergar o coração das pessoas, sabe? Qualquer pessoa no mundo; bastava passar
a sua frente e logo era detectada pelo mago. Ele – dizia-se – era alguém
bondoso, carinhoso. Vivia perto de um local muito quente. “Um vulcão?” Isso,
isso mesmo, um vulcão. Enorme. E lá eram fabricados objetos mágicos. Tinha de
tudo. Varinhas, capas, caldeirões... e um monte de figuras em metal. Mas ele
não era dono sozinho da loja: uma garota ficava por lá, era uma sócia dele.
“Bonita?” (Então apontei para o espelho da sala) Vê aquela mocinha ali ao meu
lado? “Sim” Era tão linda como ela, mas não tanto. “Obrigada!” Então... os dois
trabalhavam na pequena loja, e a garota era uma das melhores pessoas do mundo
inteiro, sabe por que? “Por quê?” Porque ela tinha um coração inteirinho de
prata. Brilhante. Lindo. O mago sabia muito bem que corações de prata são muito
difíceis de se encontrar. São raros. E aquela moça vivia a sorrir. E a cada
sorriso, o seu coração pulsava, cegando-o momentaneamente. “Que linda!” Mas,
num belo dia, o mago sentiu-se triste. Sentou-se na floresta e começou a
chorar. “Meu Deus!” Ele sabia que aquela garota não ficaria ali para sempre,
que ela tinha de seguir com sua vida. Ela era muito inteligente, muito
esforçada para ser, sempre, alguém que trabalha numa lojinha de magia. E esse
dia chegou... ela havia dito que, apesar da grande amizade entre eles, tinha de
partir. Ela seguiria até os confins da montanha da Felicidade: um lugar muito
longe, onde só os bravos chegam – e ela era extremamente capaz de ali chegar. “E
o mago?!” Ele permaneceu triste, por muitos dias. De uma hora para outra, a
raiva preencheu sua cabeça. Ele não queria que a garota partisse para longe.
Acabou fazendo aquilo que jamais devemos fazer: discutiu, brigou com a menina.
Ela chorou. Ele também. Ela disse: Se não posso ir à Felicidade, quebro aqui
nosso voto de Amizade. E num clarão muito forte, seu corpo sumiu. Seu coração
ficou flutuando no ar durante algum tempo, enquanto o mago olhava desesperado
para o vazio. Logo o coração caiu e se quebrou. Milhares de pedaços
esparramaram-se no chão. Chorando muito, o mago recolheu cada pedacinho de
prata e juntou tudo...
“E? Acabou?! O que aconteceu?!”
Olhei para a minha mão.
Então... ele derreteu os pedaços de
prata no vulcão e fez um anel. Um anel para nunca se esquecer de sua dor. Para
sempre lembrar que jamais deve estragar a amizade.
“E o mago, ainda existe?”
Sorri
tristemente.
Sim,
eu disse. E lhe apontei o anel que carrego comigo.
A
menina ficou com a boca aberta, pasma. “Então você é o mago!”
Balancei
a cabeça, concordando.
“Não
quero que o anel lhe deixe triste...” Ela levantou, passou os delicados braços
ao redor do meu pescoço e me beijou a bochecha. “É pra você ficar feliz! Eu
também enxergo corações, minha mãe diz”.
Sério?
E o que vê?
“O
seu é de ouro...”
Senti
os lábios tremerem e logo me desvencilhei da menina. Saí rápido da sala,
enquanto ouvia as pessoas da sala cochicharem: “Por que ele é tão infeliz?”