Infelizmente, ninguém viu.
A manhã daquele dia estava ensolarada, com o azul da cor de giz de cera.
Estava borrado com nuvens brancas fofinhas e o sol parecia sorrir. Dia quente,
é verdade: fazia jus às mãos dela, que descansavam na janela. Olhava o mundo
através da rede presa ao vão que separava aquela moça do restante do mundo:
mundo infeliz que jamais pôde assistir à cena de agora. A rede era uma proteção
para o seu amigo felino felpudo. Todos da casa tinham medo de que ele pudesse, em
um repentino flerte com o papel de super herói, pular pela janela atrás de
alguma borboleta ou ave. Ela olhou para o chão e sentiu a falta dele roçando
suas pernas. É bem verdade que viveu muito, e foi muito feliz, mas que falta
ele fazia... Trazia alegria para a casa, todos mimavam o reizinho e, mesmo em seus
últimos dias, quando debilitado, ele foi soberano: ela o tratou como filho que
era, beijou e chorou por uma saudade que sabia que viria. E ela, de fato, veio.
Seus olhos de floresta que fazem homens se perderem olhava o dia lá fora.
Abafado. Lindo. Se alguém tivesse visto a cena, teria observado como metade do
rosto dela era amareladamente iluminado pelo astro solar destacando seus olhos
de gude brilhantes. Havia desejo em seu rosto: o calor era convidativo, mas não
poderia sair hoje. Ela baixou a cabeça e esfregou o pé descalço na perna que coçava:
uma tatuagem subiu e desceu, acompanhando o ritmo quase sertanejo. Pegou o
prato de frutas que estava ali ao lado e voltou a observar o mundo silencioso
lá fora.
Suas bochechas ficavam gordinhas a cada mordida dada e, enquanto o sabor
escorria pela garganta, um pedacinho da fruta teimou em beijar seus lábios,
ficando ali agarrado. Ela levou o dedo à boca e retirou aquele safado. A fome
chegava ao fim, mas sua observação ainda não: olhou a piscina vazia de pessoas.
Em outros tempos, estaria cheia de crianças infernizando logo cedo. Agora,
apenas a água estava ali, refletindo azul e nuvens, com pequenas ondas
carregando os pensamentos dela para as margens. O que ela pensava? Ninguém
saberia dizer. Aquela moça tinha várias responsabilidades e sua mente sempre
estava em funcionamento, então, poderíamos apostar, em algo futuro ela estava
pensando. E enquanto meditava sobre isso, sua beleza estampava a janela do
apartamento.
Ela compunha um ensaio de luzes e cores de Vermeer.
Mas, infelizmente, ninguém viu.