Chá é algo que fui aprendendo a gostar.
Tenho os meus preferidos, claro. Não sou muito adepto do chá preto puro, mas
gosto das combinações que fazem com ele. Às vezes, me sinto como o capitão
Picard. E, às vezes, uso a desculpa do chá para ter uma caneca quente para
segurar nos dias mais frios. No verão, chá mate gelado, claro.
O
chá tem sido meu companheiro – ou companheira – durante os momentos que recebo
visitas. E elas sempre chegam aqui em minha casa. Estou eu ali quieto, fazendo
as minhas coisas, e ouço alguém batendo à porta. Eu já sei que, nesse momento,
as coisas mudarão. Eu me levanto da cadeira ou do sofá, passo pelo corredor e
abro a porta. E ali está a visita. Às vezes ela está sorridente. Em outros
momentos, triste. Muitas vezes séria. De vez em quando com raiva. Eu
simplesmente a deixo entrar: não tenho outra opção. Não mais... Enquanto ela toma
um assento, eu vou para a cozinha e preparo o meu chá.
Eu
tento não ser mal educado, mas volto aos meus afazeres. E ela vem junto. Entra
aonde quer que eu esteja. E ela fica ali parada, me observando. Durante muito e
muitos anos eu perguntei o que ela queria. Isso apenas tornava tudo pior. Logo
ela começava a falar novamente dos momentos ruins, a arranhar os meus braços e a
abrir as cicatrizes que nunca se fechavam. Aquilo doía bastante, sangrava muito
também. E eu sempre me perguntava o motivo de ela fazer isso: nunca obtive
resposta. E a cada visitação partida, eu ficava sozinho com a dúvida e a dor.
Os piores momentos eram quando ela me pegava pelo rosto e olhava dentro de mim:
todos as lembranças boas eram subitamente transformadas em ruins, e eu só
lembrava do fracasso e da solidão. Era um sentimento de luto eterno. E o chá
sempre me confortava com sua quentura.
Tive
de aprender a não perguntar. A visita não quer ser indagada. Nunca. E eu não
devo questionar a sua presença. Agora eu apenas abro a porta, preparo o meu
chá, e continuo a fazer as minhas coisas. A visita fica parada ao meu lado.
Minutos. Horas. Quieta. Deixando-me apenas sentir a sua respiração. Sei que, se
eu tentar obter quaisquer respostas, ela vai lançar toda a sua fúria e desprezo
sobre mim novamente: e isso irá doer mais do que a minha tática nova – ignorar a
sua presença. É muito tentador simplesmente virar e dizer: “Por que está aí?
Por que não vai embora? Por que sente tanto prazer em me ver sofrer?”. Isso
seria ruim, com certeza. Então aprendi que devo deixá-la em seu canto me
observando, e seguir com minhas atividades. Depois de algum tempo, ela vai
embora. Às vezes, ela fica um ou dois dias sem bater à porta. Mas
inexoravelmente ela retornará. A minha vida daqui para frente sempre será
assim. É necessário que seja. E é fundamental que eu continue a ignorar todas
as vezes que ela entrar em minha casa. Deixá-la do lado de fora só traria o
incômodo de nunca parar com o barulho ensurdecedor da porta batida. E não há
música no mundo que consiga cobrir esse som.
Assim,
o chá é a testemunha diária das visitas indesejadas que precisam ser ignoradas.
Uma hora elas se vão. O sabor fica.