Foi
há muito tempo: toda aquela região possuía árvores ainda, e rio alimentava os
homens com seus peixes sadios. Na floresta viva a mais bela das belas mulheres
de cabelos de fogo. Vivia em uma casa simples e circular. Com um simples fogão
e humilde cama de palha. Toda a manhã acordava e ia ao rio pentear seus
cabelos. As águas, se estavam nervosas, ficavam tranquilas diante de sua
beleza. Salmões brilhantes paravam seu curso e vinham observar a mais bela das
belas mulheres de cabelos de fogo. Cantarolava e alisava seus fios,
transformando-se em um magnífico ponto de cobre reluzente. E assim viveu feliz
e sozinha.
O tempo passou e ela jamais
envelheceu. Conservava sua beleza avermelhada e sua tez parecia nunca ser
castigada pelo sol. Tão estranho fato chamou a atenção de seus vizinhos. “Essa
mulher não presta” – cuspia a mulher enciumada de um lenhador. “Jamais cheguem
perto daquela casa, ouviram?!” – alertava a mãe das crianças. Mas os homens
mostravam-se indiferentes ao medo feminino. Admiravam a mais bela das belas
mulheres de cabelos de fogo. E a desejavam.
Quando chegou à idade em que os
meninos passam a querer a companhia das meninas, o filho do lenhador começou a
arrumar desculpas para ir pescar cada vez mais perto da casa da bela dama. E nos
fins de tarde ajeitava-se em meio às árvores para observar a senhora dos
cabelos de fogo se banhar no rio. Sua nudez o cativava, deixando o garoto encantado.
Contudo, certo dia, ela não voltou para casa após seu banhoe o garoto a seguiu
floresta adentro. A luz do dia se apagou e a lua cheia acendeu o céu.
Escondido, ele pôde acompanhar os assovios que a mulher dava em meio à
natureza. Chamava alguém. Do meio dos troncos retorcidos surgiu uma figura
medonha, com o corpo desfigurado e corcunda, com patas de bode no lugar das
pernas. A criatura acariciou e beijou a mais bela das belas mulheres de cabelos
de fogo. Com um gesto, arrancou seu vestido, deixando sua alva pele refletindo
o luar. Deitaram-se e a criatura abriu as pernas da bela, amando-a. O garoto permaneceu
imóvel, sendo incapaz de correr. Porém, seus olhinhos marejaram e um soluço
ecoou pela floresta. “Quem você trouxe, mulher?!” – berrou o demônio. “Ninguém,
meu amor, eu juro, ninguém!” – suplicou a bela. Mas não adiantou... cego pela
raiva, a criatura desceu suas garras sobre ela, sangrando seu corpo perfeito,
deixando-a desmaiada. Àquela visão, o garoto não suportou o medo e começou a
chorar. A criatura sussurrou algo para a mulher e sumiu. Ela acordou
subitamente, erguendo seu corpo mutilado e sua face em carne viva. De seus
olhos, chamas pareciam arder. Embora machucada, a mulher logo chegou ao local
em que o garoto se escondia. “Pai nosso que estais no céu, santificado seja o
vosso nome...” – rezou. A mulher sorriu com seus dentes afiados.
O garoto nunca mais foi visto.
Uma criança brincava na cozinha com
seu pequeno galo de madeira. A mãe estava ao fogão preparando o almoço para o
marido que ainda não chegara da faina. A ceia seria, como sempre, parca, com um
pedaço de pão e o ensopado que preparava com restos de porco. O menino corria
de um lado para o outro com seu galinho, imitando seus sons. “Mama, mama!” –
chamava o pequeno, querendo a atenção para si.
“A mamãe está fazendo a comida, meu anjo. Logo o papai chegará e você
mostra para ele, tudo bem?” – enxugava o suor da testa. O menino não parava,
corria cada vez mais, gritando. O limite da mãe foi ultrapassado e ela ralhou
com o pequeno, batendo em sua mão. Com o impacto, embora fraco, o menino deixou
cair o galo, quebrando-o. O que antes era felicidade virou pranto. A mãe bem
que tentou acalmá-lo, mas o menino não parava e, num acesso de raiva, jogou o
galo contra a parede, indo acabar dentro da panela de ensopado. “Menino mau!
Olhe o que você fez! Fique quieto aí ou chamarei a Bruxa do Meio-Dia para lhe
buscar!”. Só fez aumentar o choro. Perdendo a paciência, a mãe foi à janela e
falou: “Ei, Bruxa do Meio-Dia, aqui tem um menino muito mau que não pára de
chorar. Venha buscá-lo!”.
Voltou aos afazeres, feliz com o
susto que pregara no filho. Porém, quando o sol chegou à metade do céu, um
forte vento varreu as folhas mortas do quintal e alguém bateu à porta. A mãe,
assustada, correu e agarrou o filho, que ainda choramingava. Sem respostas, a
porta de madeira se abriu aos poucos, revelando um ser vestido com farrapos
longos e um capuz que lhe escondia o rosto. “Aqui estou. Dê-me a criança!” –
apontou com seus dedos cadavéricos para o menino. “Não, era mentira! Era
mentira! Eu só disse para assustá-lo!” – gritou a mãe. “Dê-me a criança!” – repetiu.
“Jamais!” – e, abraçada ao menino,
começou a rezar o Pai Nosso. A bruxa sorriu por debaixo do capuz e saiu da
casa. A mãe respirou aliviada. Olhou para a criança e chorou.
Quando o marido chegou em casa após
mais uma manhã de trabalho, encontrou a mãe de joelhos ao lado da cama de seu
filho. Um lençol cobria o pequeno corpo. O pai levou as mãos à cabeça.