Sob
o calor daquele meio de tarde buscou segurança na mão dela. Estavam sentados
sobre a terra úmida – lembrança da chuva noturna passageira –, ele a abraçando
contra seu corpo, sentindo o calor que emanava do tecido claro da camiseta
dela. Longos minutos perdidos no mais puro ócio tão necessário à existência
humana. As palavras foram cessando aos poucos, sendo derretidas pelo mormaço do
verão. E foi segurando a mão do homem que ela adormeceu.
Ficou sozinho. Com seu suor
escorrendo pela face. Com o cuidado de não mexer muito a mão dorminhoca. Sorria
imperceptivelmente, sentindo-se bem com o simples fato de tê-la ali. Correu a
mão vazia sobre a terra e esfregou a grama. Os dedos afundaram mais, e um
punhado de grãos negros e disformes surgiu em sua palma. Aquela mancha
irregular... Sua mãe fazia cara feia quando manchas assim apareciam. Não
recordava direito suas palavras, mas eram bravas. Ele, pequeno, apenas estendia
os braços finos e começava a chorar com medo da surra. Mas a mãe não lhe batia:
pegava o canto do avental e limpava as palmas sujas, depois virava as costas e
voltava às panelas sobre o fogão.
“Filha, o que há?” – aquela moça lhe
indagava com ar de preocupação.
A menina não respondia, somente
soluçava. Inconformada, a mulher chamava o marido, pedindo que tentasse
amenizar o sofrimento da garota.
“Filha, o que há?” – o homem lhe
dizia enquanto secava as lágrimas com o peito da mão.
“A mãe já saiu? Estou me sentindo
estranha esses dias, pai”.
“Reparei, é algo que dói? Sim? No corpo?...
Filha, seu pai sabe o que é isso. E seus olhos também lhe denunciam” – sorriu
amavelmente o homem – “Está apaixonada”. À exclamação de clarividência por
parte do pai, o homem respondeu se poderia lhe contar ao pé do ouvido quem era
o menino tão sortudo que conquistara o coração da filha.
Um nome comum. O pai beijou a testa
da menina e lhe deu boa noite.
Retirou aquela lasca lítica da terra
com cuidado. Era só mais uma entre dezenas. E era pequena. Não há mal em
levá-la, não? Colocou as demais no recipiente após peneirar e, ao final do dia,
marcou o número de procedência do material coletado no sítio. O carro levou ele
e os demais arqueólogos ao hotel. Limpou a terra das mãos e da pedra no
chuveiro; guardou com carinho na mochila de viagem.
Na semana seguinte, entregou o
presente à namorada. Um beijo de agradecimento marcou o final da campanha de
estudos sobre o sambaqui.
À noite, o telefone tocou.
Madrugada. Os corações de ambos dispararam. O homem acendeu a luz do quarto e
atendeu. Sua esposa pôde observar como o desespero tomou conta do rosto dele. E
logo vieram lágrimas. E um gritou rouco, sem som algum. Ela já chorava antes
mesmo de ouvir da boca dele. Ela sabia... A excursão da escola... A menina... Por
que a deixou ir? Sentir-se-ia culpada o resto da vida pelo o que ocorrera.
Colocou a mão suja de terra sobre o
ventre da mulher que dormia. Soluçou baixinho. Apertou os olhos e uma gota de
água salgada se misturou ao suor. Beijou os cabelos dela. O mesmo odor dos
cabelos de sua mãe quando jovem. Olhou o céu e observou aquele sol carrasco.
Ela acordou. E silenciosamente viu
uma pedrinha que jazia ali perto. Levou próxima aos olhos.
“Olhe, amor, um vestígio
arqueológico” – brincou.
No mesmo instante ele calou a dor no
peito e, com esforço, respondeu:
“Não, amor, é apenas um amontoado de
terra seca” – riu.
E continuaria a sorrir. Não daria o
desgosto à esposa de perceber que chorara. Ela já se culpava demais pela morte
da filha.