Tamborilava
o lápis sobre o bloco de folhas. Degustava o café pouco açucarado que pedira
ali mesmo, na Livraria Cultura da Paulista. Através do vapor que subia da
xícara, observava quem passava. Dia movimentado aquele. Eis que dentre a bruma
da bebida avista um pequeno ser. O suor de seus óculos dá lugar a um sorriso
que vem em sua direção: uma criança. Ela logo olha para trás e chama seus pais.
Aponta para a mesa ao lado do batucador de lápis e se estabelecem ali. Ele não
se interessa pelos diálogos. Não, apenas o gestual toma a sua atenção naquele
início de noite. Estão todos muito bem. Aquela família feliz, com alguns livros
sobre a madeira e copos feitos de porcelana branca.
A
mãe, vez e outra, ajeita o cabelo negro da menina. Mexe em sua tiara. Ergue o
dedo para o copo da garota – “beba, está gostoso”. A criança obedece e, com
bigode de leite, levanta os olhos para o pai. Ele, um homem encorpado, parece
não enxergar muito bem: o livro recém-adquirido está bem perto do rosto. Mas a
esposa diz algo e ele sorri para a filha, e retorna às palavras do romance.
Cena
semelhante semeou-se em sua mente. Parou de tamborilar e rabiscou desenhos
abstratos. Talvez um coração. Quiçá uns lábios cor de grafite. Era apegado ao
passado e, justamente naquela mesma mesa onde residia agora a família, outrora
estava ele e sua amada. O carinho lhe encheu o peito ao recordar a imagem de
sua delicada face sorridente. E, observando o filete branco de leite na boca da
criança, deixou os olhos marejarem: sua amada fizera mesma coisa. “As mulheres
sempre serão garotas” – encantou-se.
Recolheu seus pertences e deixou a xícara sobre a mesa, esfriando do contato de suas mãos. Brincou pelas prateleiras e escolheu um livro que a agradaria. Embrulhou-o para presente e seguiu até a sua casa. Foi recebido com o sorriso-menina da amada. E um beijo-sabor-café.